É sempre muito bom procurar motivos para ouvir Peter Tosh. Suas letras politizadas, estilo jungle-fever e o seu discurso ativista e confrontador fazem do reggae de Tosh algo único, indistinguível. Ele é um dos maiores do gênero – e provavelmente sabia disso.
Para rememorar seu legado, a Sony Music lançou versões remasterizadas de seus dois primeiros discos solo: Legalize It (1976) e Equal Rights (1977), dois discos que são considerados clássicos do reggae por conter faixas grandiosas como “Legalize It”, “Burial” e “Ketchy Shuby” – do primeiro disco – e “Get Up, Stand Up”, “Stepping Razor” e “Jah Guide”, do segundo.
Os dois álbuns vêm repletos de faixas-bônus e versões dubplate gravados durante as sessões no Randy’s Studio.
Inicialmente, a decisão de Tosh tomar carreira solo veio por conta dos empresários do The Wailers, que queriam dar nome e peso maior a Bob Marley que aos demais integrantes. Ainda que fosse uma amizade difícil, cheia de brigas e controvérsias, Bob e Tosh se davam bem – só eram de estilos diferentes. (Não à toa, a Recall Records lançou em 1998 um disco com mais de 50 faixas que reúne boas faixas dos dois regueiros. O nome do disco é Wisdom.)
Voltando aos relançamentos: em Equal Rights, há uma versão mais dub e psicodélica de “Get Up, Stand Up”, com a voz de Tosh entremeada por órgãos e uma guitarra crua mais rítmica e barulhos que hoje seriam creditados aos sintetizadores. Há também uma versão estendida da faixa-título, além da inédita “Heavy Razor”, que começa com riffs de acid-rock (além de cantor, Peter Tosh era um ótimo guitarrista) e acalma os ânimos para revelar os takes iniciais que resultaram na antológica “Stepping Razor”, canção que ficou conhecida por evidenciar seu lado destemido (Don’t watch my size/I’m dangerous [Não fique me medindo/sou perigoso]).
Peter Tosh: “Stepping Razor”
Legalize It remasterizado traz um material ainda mais grandioso sobre o primeiro disco de Peter Tosh. Além de versões dubplate e takes alternativos de todas as faixas, traz mais 6 demos das principais faixas do disco: “Legalize It (Demo)”, “No Sympathy (Demo)”, “Why Must I Cry (Demo)”, “Igziabeher (Let Jah Be Praised) (Demo)”, “Ketchy Shuby (Demo)”, “Till Your Well Runs Dry (Demo)” e “Brand New Second Hand (Demo)”. Foi graças a este álbum que Peter Tosh pode mostrar ao mundo que não era somente Bob Marley a mente criativa do The Wailers. Aqui, Peter estampava que era a favor da legalização da maconha, denunciava que o governo jamaicano fazia as vontades dos Estados Unidos em detrimento de uma política voltada à população e dizia que, ainda assim, tinha sentimentos na lamuriante “Why Must I Cry”.
Peter Tosh: “Legalize It”
O relançamento de Legalize It e Equal Rights é a oportunidade de fazer justiça a outra grande voz da Jamaica que, infelizmente, caiu nas desgraças dos rebeldes e morreu assassinado em sua casa naquele obscuro ano de 1987. Ele sabia que sua vida não seria longa, mas talvez não imaginaria que sua obra permanecesse eterna.
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Bad boy do reggae
Os dois primeiros discos-solo do jamaicano Peter Tosh (1944-1987) ganham versões especiais
Cena de cinema de rude boys jamaicanos no dia 11 de setembro de 1987. Em Kingston, Peter Tosh, que devia para Jah e o mundo, estava endividado também com quem nunca é recomendável se envolver: traficantes. Os bandidos foram cobrar a dívida, o artista se recusou a atendê-los e recebeu quatro tiros no peito. Morria, aos 43 anos, Winston Hubbert McIntosh, uma das lendas do reggae, guitarrista e bom cantor com voz de barítono que começou a carreira ao lado de Bob Marley (1945-1981) nos Wailers.
Quem se amarra no roots reggae de Peter Tosh ganha mais um motivo para recordar sua música. Um não, dois. Os dois primeiros discos-solo do compositor: Legalize It, de 1976, e Equal Rights, de 1977, estão de volta às lojas em versões especiais pela gravadora Sony Music.
São caprichadas edições comemorativas contendo dois CDs, cada uma, e com preço sugerido de R$ 39,90: o disco original, acrescido de faixas inéditas com versões demo; e outro com versões alternativas e remixes. Os textos dos encartes são do jornalista Roger Steffens e do historiador e produtor jamaicano Herbie Miller.
Os dois trabalhos são clássicos do reggae mundial, mas Legalize It é mais emblemático do que foi Peter Tosh. Na capa, ele aparece soltando baforadas de um cachimbo, acocorado no meio de uma grande plantação de maconha. A música-título pede a liberação da cannabis e sua mensagem até hoje é incisiva – aliás, a banda carioca Planet Hemp usou um sample da canção no hit Legalize Já, no seu álbum de estreia, Usuário, de 1995.
Legalize It foi gravado com participações luxuosas do grupo vocal feminino I-Threes, formado por Marcia Griffiths, Judy Mowatt e Rita Marley (casada com Bob Marley); e de vários músicos dos Wailers, como Anton “Family Man” Barrett e Seeco Patterson.
O segundo CD da reedição de Legalize It traz a mixagem original do disco, feita pelo próprio Peter Tosh, seguida por uma versão alternativa da faixa-título e por seis dubs muito raras. A reedição de Equal Rights segue formato idêntico.
Com participação da ilustre dupla Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo), Equal Rights ataca(va) o injusto sistema da Jamaica. A música-título é genial: “Todo mundo quer ir para o céu/ Mas ninguém quer morrer/ E eu digo: nós nunca teremos paz/ Até o dia que tivermos direitos iguais e justiça”. O trabalho também tem mensagem de africanismo em African e Aparttheid e uma regravação de Get Up, Stand Up, dos Wailers, de onde Tosh saiu por ciúme da liderança de Bob Marley, que também tinha roubado uma namorada do amigo: Rita Anderson.
Peter Tosh, que não conheceu o pai e foi criado por uma tia na favela de Trenchtown, sempre gostou de uma confusão. Biógrafos do cantor dizem que sua rebeldia às vezes beirava o mau-caratismo. Keith Richards que o diga. Como ele e Mick Jagger haviam contratado Tosh para o selo Rolling Stone Records, em 1978, o guitarrista roqueiro emprestou sua casa de praia em Ocho Ríos, Jamaica, para o rastaman. Ao pedir a casa de volta, Keith foi ameaçado de morte. Resultado: os Stones demitiram o cantor imediatamente.
Peter Tosh veio ao Brasil em 1980 e brilhou no Festival de Jazz de São Paulo. O mais curioso foi sua participação especial na novela Água Viva (TV Globo), de Gilberto Braga, quando cantou Legalize It tendo Fábio Jr. nos vocais de apoio. Reza a lenda que ele fumou toda a maconha que havia no Rio e em São Paulo.
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